Na maior parte dos cenários traçados pelo IPCC, o uso de energia solar aparece como ferramenta essencial para superação do aquecimento global
No ano passado, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) tornou público seu mais relevante relatório sobre mitigação das mudanças climáticas desde 2014. O ponto central do relatório, sobretudo, é a análise de um grande número de cenários globais de longo prazo. Esses cenários, produzidos por dezenas de grupos de pesquisa ao redor do mundo, procuram retratar possíveis futuros da energia, da agricultura e do uso da terra, bem como suas implicações em termos de emissões de gases de efeito estufa (GEEs) até 2100.
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É importante entender que um cenário não representa uma previsão de futuro. Mas o resultado de um modelo matemático a partir de premissas bem estabelecidas e consistentes entre si. Ou seja, um cenário é uma abstração quantitativa que tenta responder à seguinte pergunta. “Caso as coisas aconteçam da forma X, o que deverá acontecer com Y?”
Diferentes grupos
No caso dos cerca de 2.300 cenários globais compilados pelo último relatório do IPCC, portanto, há dois grupos. Um composto por cenários de referência (ou de linha de base), e outro composto por cenários de mitigação climática, de maior interesse. Cenários de referência tipicamente refletem sobretudo um futuro em que a economia mundial continua a se orientar exclusivamente (ou majoritariamente) por aspectos econômicos em sentido estrito, como eficiência e minimização de custos.
Em contraste, contudo, cenários de mitigação climática retratam um mundo em que a variável socioambiental (no caso, o aquecimento global) passa a ser levada em conta nas decisões de planejamento, investimento ou mesmo na demanda por serviços. Na prática, isso se traduz por preços ou orçamentos de carbono, com uma consequência bastante clara: redução das emissões de GEEs ao longo do século.
Essas trajetórias ilustrativas procuram resumir a vasta literatura recente sobre o tema. Apontando cinco caminhos com características muito distintas para limitar o aquecimento médio do planeta a, no máximo, 2ºC.
Vejamos em detalhes esses cenários.
Mitigação SP (Shifting Pathways ou Mudança de Caminho, em português)
Além da questão climática, outros desafios relacionados ao desenvolvimento global são prioritários. Tal qual o aumento de níveis educacionais, melhorias na qualidade da nutrição e acesso universal à água potável. Em médio prazo, essas aspirações se traduzem fortemente pela Agenda 2030 das Nações Unidas, que possui uma série de ODSs (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável). Tal qual a erradicação da pobreza e a preservação de certos níveis de biodiversidade.
Essas aspirações multidimensionais são a base da trajetória SP . Apesar de o foco estar na mudança do clima, esse cenário representa um futuro em que as políticas públicas não se limitam à mitigação do aquecimento global, buscando de maneira mais ampla o desenvolvimento sustentável.
Mitigação LD (Low Demand ou Baixa Demanda, em português)
A redução das emissões de GEEs tem como principal causa uma transformação radical do uso final de energia. Ou seja, da maneira como são providos os diferentes serviços energéticos (mobilidade, iluminação, conforto térmico, bens de consumo etc.). Isso se faz possível por meio de mudanças estruturais pelo lado da demanda, que tornam o uso de energia muito mais eficiente ao longo do período 2020-2050.
Na prática, no entanto, como isso ocorre? De diversas formas: aprimoramento da qualidade e acessibilidade de serviços e produtos, descentralização, consolidação da lógica do produtor-consumidor, inovação na área de TI (Tecnologia da Informação), difusão de tecnologias de pequena escala e ascensão da economia compartilhada. Do ponto de vista da produção de energia, o cenário LD vê uma transição quase completa para recursos renováveis até meados do século.
Mitigação REN (Renewables ou Renováveis em português)
No cenário Ren, a proporção de energia elétrica de origem renovável (especialmente solar e eólica) cresce rapidamente, em linha com as atuais tendências de declínio dos custos de tecnologias como painéis fotovoltaicos, aerogeradores e baterias. Coerentemente, pelo lado da demanda, o cenário Ren projeta a eletrificação de diversos serviços energéticos, como mobilidade urbana, produção de aço e aquecimento residencial.
No cenário Ren, a eletricidade representa 66% da energia final global (em comparação com cerca de 20% em 2020). Em termos de ganhos de eficiência no uso final de energia, essa narrativa é conservadora se comparada àquela do cenário LD.
Mitigação Neg (Negative Emissions ou Emissões Negativas, em português)
No cenário Neg , a maior parte do esforço de mitigação se dá pelo lado da oferta. Ou seja, nesse arquétipo de futuro, não se verificam alterações significativas nos padrões de consumo e na demanda por energia per capita ao longo do século.
Na ausência de transformações radicais pelo lado da demanda, a descarbonização fica a cargo da produção de energia. Assim, o mundo do cenário Neg vê não apenas uma forte expansão da geração solar e eólica. Mas também um emprego massivo de bioenergia (sobretudo no setor de transportes, sob a forma de biocombustíveis).
Mitigação GS (Gradual Strengthening ou Fortalecimento Gradual, em português)
O quinto cenário ilustrativo, denominado GS, segue uma narrativa diferente, procurando refletir sobretudo os efeitos de uma menor rapidez na redução das emissões de CO2 e outros gases. Essa trajetória tem como premissa o cumprimento das NDCs (que representam ambição moderada) nos próximos 5 a 10 anos, com o aprofundamento de políticas climáticas apenas a partir de 2030.
Assim, enquanto nos outros cenários ilustrativos as emissões globais de CO2 ficam entre 15 e 25 bilhões de toneladas por ano em 2030, no cenário GS há apenas um pequeno declínio entre 2020 e 2030 (de 39 para 34 bilhões de toneladas por ano), com ações de mitigação mais contundentes apenas após esse período.